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OS VÂNDALOS



Os vândalos figuram no imaginário coletivo como sinônimos de destruição e barbárie. O termo "vandalismo", usado modernamente para definir atos de depredação, remete diretamente a esse povo germânico. No entanto, essa representação estigmatizada está longe de refletir a complexidade histórica do Reino Vândalo, que desempenhou um papel significativo na transição entre a Antiguidade e a Idade Média.


Fundado no norte da África no século V, com capital em Cartago, o Reino Vândalo foi uma das mais poderosas entidades pós-romanas. Durou quase um século, desafiou o Império Romano do Ocidente e do Oriente, manteve uma marinha temida no Mediterrâneo e protagonizou conflitos religiosos marcantes. Este texto busca reconstituir a história dos vândalos desde suas origens até sua queda, analisando suas conquistas, estrutura política, relações com Roma e o legado que deixaram para a história da Europa e do norte africano.


Origens do povo vândalo


Os vândalos eram um povo germânico oriental, provavelmente oriundo da região entre o rio Oder e o Vístula (atualmente Polônia). Como outros povos ditos "bárbaros", foram descritos pelas fontes romanas sob uma perspectiva hostil ou caricatural. Sabe-se que se dividiam em dois grandes ramos: os asdingos e os silingos.


Durante o século III, os vândalos foram pressionados por outros grupos e avançaram rumo ao oeste, atravessando o Reno em 406 ao lado de suevos e alanos, invadindo a Gália. Esse evento foi motivado tanto por fatores internos (como pressão dos hunos) quanto por oportunidades criadas pela fragilidade crescente do Império Romano.


Após vagarem pela Gália, os vândalos se estabeleceram por um breve período na Hispânia (atual Espanha), onde entraram em conflito com visigodos e romanos. Foi lá que surgiu a figura de Geiserico, o líder mais proeminente da história vândala, que reorganizou o povo e vislumbrou uma oportunidade estratégica atravessando para o norte da África.


O saque de Roma (455) e a fama de destruidores


Em 455, após o assassinato do imperador Valentiniano III e o colapso da dinastia teodosiana, Geiserico aproveitou o vácuo de poder e organizou uma expedição naval a Roma. A cidade, então com defesas precárias, foi saqueada pelos vândalos. O papa Leão I negociou com Geiserico para evitar o massacre da população, e o acordo foi em grande parte respeitado.


Apesar de não haver relatos de destruição sistemática ou matança, os vândalos levaram tesouros, obras de arte e membros da aristocracia romana como reféns, incluindo a imperatriz viúva Licínia Eudóxia e suas filhas. Esse evento foi duramente criticado pelas fontes romanas e mais tarde mitificado.


A partir do Renascimento, o termo "vandalismo" passou a ser usado para designar a destruição de bens culturais, perpetuando a ideia de que os vândalos foram destruidores por natureza. Historiadores modernos, no entanto, têm relativizado essa visão, apontando que os vândalos agiram como outros exércitos da época, sem praticar devastações excepcionais.


Declínio e queda do reino


Após a morte de Geiserico em 477, o Reino Vândalo entrou em um período de instabilidade. Seu filho Hunerico assumiu o trono e, apesar de manter o poder por um tempo, enfrentou revoltas internas e agravou a repressão religiosa. Os sucessores de Hunerico foram menos capazes de manter a coesão do reino.


Enquanto isso, o Império Bizantino, sob o comando do imperador Justiniano I, deu início a um projeto de reconquista das províncias perdidas do antigo Império Romano do Ocidente. Comandada pelo general Belisário, uma expedição militar foi enviada ao norte da África em 533. Apesar de sua curta duração, a campanha foi decisiva: os bizantinos derrotaram os vândalos nas batalhas de Ad Decimum e Tricamaron, encerrando o reino em 534.


O último rei vândalo, Gelimer, foi capturado e levado para Constantinopla, onde foi exibido em triunfo. Com a queda do reino, o norte da África retornou ao controle imperial, agora sob administração bizantina.


Legado histórico dos vândalos


O Reino Vândalo deixou marcas importantes, embora muitas vezes obscurecidas pelo estigma associado ao seu nome. A breve dominação vândala no norte da África demonstra a complexidade das chamadas "invasões bárbaras" e a continuidade de estruturas romanas sob governantes germânicos.


Culturalmente, os vândalos mantiveram aspectos da tradição romana enquanto impunham sua identidade e religião. Sua marinha e capacidade administrativa desafiaram Roma e Constantinopla, e sua existência prova que os povos germânicos não foram apenas agentes de destruição, mas também construtores de novas formas de poder.


A revisão historiográfica moderna procura compreender os vândalos em sua própria dinâmica, reconhecendo que o rótulo de "vandalismo" foi uma construção política e cultural de seus inimigos.


Conclusão


O Reino Vândalo foi um dos mais notáveis exemplos de estados bárbaros que surgiram das ruínas do Império Romano do Ocidente. Por cerca de um século, governou vastas regiões do norte da África e desafiou o poder romano no Mediterrâneo. Longe de ser apenas uma força destrutiva, revelou-se uma potência organizacional e militar.


Reavaliar os vândalos à luz das fontes históricas e da análise crítica nos permite compreender melhor a complexa transição entre Antiguidade e Idade Média e desfazer estigmas que obscurecem a contribuição de povos como os vândalos na formação do mundo medieval.


Fontes


Heather, Peter. The Fall of the Roman Empire: A New History. Oxford University Press, 2005.


Merrills, Andrew & Miles, Richard. The Vandals. Wiley-Blackwell, 2010.


Bury, J. B. History of the Later Roman Empire. Dover Publications, 1958.


Procopius. History of the Wars, especialmente o volume sobre a guerra vândala.


Goffart, Walter. Barbarian Tides: The Migration Age and the Later Roman Empire. University of Pennsylvania Press, 2006.

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