O PESO DO TRONO: OS PENSAMENTOS DE UM REI MEDIEVAL SOBRE SAÚDE MENTAL
- História Medieval

- 29 de jan. de 2021
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Atualizado: 28 de set.

Poucos objetos carregam tanto peso simbólico quanto uma coroa medieval. Para os homens que a ostentaram, o trono não era apenas um assento de autoridade, mas um altar permanente onde se fundiam fé, política e destino. Um rei da Idade Média não governava apenas territórios e súditos; governava também o imaginário de que fora colocado ali pela graça de Deus, como guardião da ordem terrena e reflexo da ordem celestial. Ser “rex Dei gratia” significava carregar não apenas as responsabilidades de um reino, mas também o fardo psicológico de representar algo maior do que si mesmo.
No entanto, por trás do ouro e das insígnias, havia homens de carne, ossos e fragilidades. A saúde mental, ainda que não compreendida nos termos modernos, era uma preocupação real — percebida através da linguagem da época como melancolia, loucura, tentações demoníacas ou provações divinas. E, se para os súditos comuns o sofrimento da mente podia passar despercebido, no caso de um rei cada desvario, cada silêncio prolongado ou cada acesso de tristeza ganhava contornos políticos e espirituais. A instabilidade da mente real era, ao mesmo tempo, um drama íntimo e uma ameaça à estabilidade do reino.
Alguns monarcas viveram crises mentais evidentes, como Carlos VI da França, tomado por delírios e paranoias, ou Henrique VI da Inglaterra, mergulhado em períodos de apatia e isolamento. Outros, como Duarte de Portugal, ofereceram testemunhos singulares em que refletiam sobre os dilemas da alma e os perigos da melancolia em tratados que podem ser lidos hoje como autênticas meditações sobre saúde mental no poder.
O trono, portanto, não era apenas símbolo de glória, mas também de peso insuportável. Cada decisão mal calculada podia arruinar dinastias; cada sinal de fraqueza podia atrair intrigas; cada sombra da mente podia abalar um império. Entre a coroa e a solidão, os reis medievais viveram experiências que revelam, em última instância, a humanidade escondida sob o manto da majestade.
O Corpo Político e o Corpo Humano
Na mentalidade medieval, o rei não era apenas um indivíduo, mas a encarnação de uma função. A célebre fórmula, estudada por Ernst Kantorowicz em The King’s Two Bodies, define bem essa dualidade: o monarca possuía um corpo físico, mortal, sujeito às mesmas dores, doenças e fraquezas de qualquer homem, mas também um corpo político, imperecível, que representava a continuidade do reino.
Essa concepção fazia do governante um ser duplamente pressionado. De um lado, esperava-se que fosse exemplo de vigor, justiça e fé inabalável. De outro, sua humanidade não desaparecia com a coroação. Se adoeceu de febre, era visto como fragilidade pessoal; se perdeu o controle emocional, tornava-se um problema de Estado. Cada queda psicológica ou física podia ser lida como reflexo direto da situação do reino.
A tensão entre esses dois corpos criava um espaço de angústia permanente. O rei deveria ser mais do que homem, mas nunca deixava de ser humano. Entre documentos oficiais, cerimônias públicas e rituais religiosos, havia sempre o fantasma da solidão, a consciência íntima de que qualquer demonstração de fraqueza poderia ser interpretada como sinal de decadência ou até mesmo de ilegitimidade.
Não por acaso, as cortes desenvolveram rituais e linguagens cuidadosamente construídos para ocultar, minimizar ou reinterpretar os sinais de sofrimento dos reis. Se o monarca estava enfermo, dizia-se que Deus o provava; se mostrava sinais de tristeza profunda, era visto como melancolia causada pelos humores corporais, segundo a medicina galênica. Assim, entre a explicação espiritual e a médica, criava-se uma narrativa que buscava preservar a imagem do corpo político intacta, mesmo que o corpo humano estivesse fragilizado.
O Fardo da Realeza: Do Isolamento às Crises de Loucura
Se o rei era visto como sustentáculo da ordem divina na Terra, qualquer sinal de descontrole mental transformava-se em crise política. Os casos de Carlos VI da França e Henrique VI da Inglaterra são exemplos trágicos de como o peso do trono podia se tornar insuportável.
Carlos VI (1368–1422), conhecido como o Louco, foi coroado jovem e herdou um reino ainda abalado pela Guerra dos Cem Anos. Durante os primeiros anos, governou com firmeza, mas em 1392 sofreu o primeiro de muitos colapsos mentais. Num acesso de fúria, atacou seus próprios cavaleiros, acreditando estar cercado por inimigos. Depois, vieram episódios de paranoia e delírios: em certo momento, estava convencido de que era feito de vidro e poderia se quebrar com um simples toque. Sua doença mergulhou a França no caos, abrindo espaço para disputas internas entre Armagnacs e Borgonheses, além de fortalecer a Inglaterra na guerra. O corpo humano do rei havia falhado, e seu corpo político não conseguiu sustentar sozinho a estabilidade do reino.
Henrique VI da Inglaterra (1421–1471) viveu dilema semelhante. Sucedeu ao trono ainda criança e cresceu em meio às expectativas de ser um novo modelo de piedade real. Entretanto, na vida adulta, mergulhou em períodos de catatonia, nos quais não reagia ao que se passava ao redor, permanecendo imóvel e silencioso por meses. Seus colapsos mentais alimentaram a instabilidade política que explodiu na Guerra das Duas Rosas, quando as casas de Lancaster e York disputaram o trono. A ausência de ação de Henrique fez com que fosse manipulado por facções rivais, enquanto sua esposa, Margarida de Anjou, assumia parte do poder.
Ambos os casos revelam como a mente do rei estava inextricavelmente ligada ao destino do reino. Se o soberano enlouquecia, não era apenas uma tragédia pessoal: a própria ordem política era posta em xeque. A loucura real não se limitava ao castelo ou à corte — espalhava-se como instabilidade por todo o reino.
O isolamento intensificava esse fardo. Cercados por conselheiros, mas raramente com amigos de confiança, os reis viviam entre a suspeita e a solidão. A cada decisão, carregavam não apenas o peso das armas e dos impostos, mas também a sombra constante de que um erro poderia destruir sua dinastia. Muitos sucumbiram a essa pressão; outros encontraram refúgio na religião ou nos escritos, tentando dar sentido ao turbilhão da própria mente.
Duarte de Portugal: O Rei que Pensou a Mente
Entre os exemplos de monarcas que sucumbiram às pressões do trono, Duarte I de Portugal (1391–1438), conhecido como “o Eloquente”, surge como uma figura rara: um rei que não apenas sentiu o peso da coroa, mas que também refletiu conscientemente sobre ele. Diferente de Carlos VI da França ou Henrique VI da Inglaterra, que ficaram marcados por episódios de colapso e loucura, Duarte deixou escritos que demonstram uma preocupação lúcida com a saúde da alma e da mente.
Sua obra mais célebre, o “Leal Conselheiro”, é um tratado em que aborda virtudes, vícios e a arte de governar, mas que também se detém nas angústias interiores que corroem o governante. Ali, Duarte fala sobre a melancolia, termo medieval que englobava desde a tristeza profunda até aquilo que hoje reconheceríamos como depressão. O rei admite que a tristeza e a ansiedade podem comprometer o juízo de um soberano, tornando-o incapaz de decidir com clareza ou governar com justiça.
Ao mesmo tempo, Duarte oferece caminhos para lidar com esse fardo: o cultivo da moderação, a prática da oração, a busca pelo equilíbrio entre corpo e alma. Para ele, o governante deveria ser um homem de disciplina interior, capaz de controlar suas emoções para não deixar que o desespero ou a cólera ditassem suas ações. Essa reflexão é notável porque reconhece, em pleno século XV, que o poder não é apenas um exercício externo, mas também uma luta íntima pela própria estabilidade emocional.
O reinado de Duarte foi breve e marcado por tragédias. Em 1437, após a fracassada expedição a Tânger, que terminou na captura de seu irmão, o Infante D. Fernando, o rei mergulhou em preocupações e sofrimentos que se refletiram em suas palavras. Um ano depois, foi vítima de peste e morreu aos 46 anos, deixando um legado intelectual que transcendeu sua curta vida política.
Se Carlos VI encarnou o rei enlouquecido e Henrique VI o rei paralisado pela apatia, Duarte representou o rei autocrítico, consciente da fragilidade mental que acompanhava o poder. Seus escritos revelam uma sensibilidade rara, quase moderna, ao admitir que governar era também lutar contra os próprios fantasmas interiores.
Religião, Culpa e a Saúde da Alma
Na Idade Média, a fronteira entre saúde mental e vida espiritual era praticamente inexistente. Estados de melancolia, depressão ou crises psicóticas eram interpretados ora como sinais da presença demoníaca, ora como provações enviadas por Deus. Para um rei, essa ligação era ainda mais intensa, pois seu corpo e sua mente eram vistos como reflexo do destino do reino.
A confissão exercia um papel fundamental nesse contexto. Mais do que um ritual de absolvição, funcionava como uma forma de catarse, em que o monarca podia compartilhar medos, culpas e ansiedades com seu confessor. Muitos relatos mostram reis que recorriam repetidamente a essa prática em busca de alívio interior. O confessor não era apenas um conselheiro espiritual, mas também uma espécie de terapeuta medieval, ajudando a sustentar o equilíbrio psicológico de quem carregava o peso da coroa.
Outro aspecto importante era a noção de que a “loucura” poderia ser uma provação divina. Reis acometidos por crises eram por vezes comparados a personagens bíblicos como Nabucodonosor, que, segundo o Livro de Daniel, foi castigado por sua soberba e perdeu a razão por sete anos. Essa leitura permitia reinterpretar a doença não como simples fraqueza, mas como lição espiritual.
Contudo, havia também o lado sombrio: crises de comportamento eram frequentemente vistas como possessões demoníacas. Isso podia levar a tratamentos religiosos extremos, como exorcismos, jejuns prolongados ou peregrinações forçadas. Em alguns casos, a própria corte alimentava a narrativa de que a instabilidade mental do rei era castigo por pecados não confessados, reforçando o estigma e o isolamento.
A espiritualidade, portanto, servia de lente através da qual se interpretavam os estados da mente. Para alguns, era fonte de conforto e esperança; para outros, uma prisão que transformava sofrimentos humanos em símbolos de falha moral ou castigo divino. Entre a cruz e a espada, os reis encontravam na religião tanto alívio quanto fardo adicional, pois sua alma era vista como espelho do reino e sua saúde espiritual confundia-se com a ordem política e cósmica.
O Corpo do Rei como Espelho do Reino
Na cultura medieval, o rei não era apenas um governante; era o próprio símbolo vivo do reino. Sua força, sua saúde e até mesmo sua serenidade de espírito eram interpretadas como indícios do bem-estar coletivo. Se o monarca adoecia, acreditava-se que o equilíbrio político, espiritual e social da comunidade estava em risco.
Essa visão explica a importância das cerimônias que exaltavam a vitalidade real. Em várias coroações e rituais, enfatizava-se a ligação entre o corpo do rei e a ordem divina. Um soberano vigoroso transmitia segurança e estabilidade; um rei abatido, enfermo ou perturbado era visto como sinal de mau presságio. Não raro, crônicas relatavam que períodos de desordem ou catástrofes naturais coincidiam com doenças ou crises psicológicas do monarca, como se o destino do reino fosse inseparável da mente real.
Os chamados reis taumaturgos, especialmente na França e na Inglaterra, reforçam essa lógica simbólica. Acreditava-se que eles possuíam o poder de curar doentes com um simples toque — particularmente a escrofulose, conhecida como “o mal do rei”. Esse dom miraculoso legitimava a autoridade régia, colocando o soberano como mediador entre Deus e o povo. Mas, ao mesmo tempo, criava uma contradição: o homem que curava com o toque podia, em sua intimidade, ser corroído pela melancolia, pela paranoia ou pela apatia.
Em muitas crônicas, as crises mentais dos reis foram interpretadas não apenas como tragédias pessoais, mas como sinais do enfraquecimento do próprio corpo político. O colapso de Carlos VI da França foi descrito como o início da ruína do reino, abrindo caminho para disputas internas. O silêncio prolongado de Henrique VI da Inglaterra foi lido como prenúncio das guerras civis que devastariam o país. Em Portugal, a morte prematura de Duarte, em meio às tensões após a derrota em Tânger, foi vista como golpe moral sobre a dinastia de Avis.
O rei era, portanto, mais do que governante: era espelho do coletivo. Suas dores e fragilidades não pertenciam apenas a si mesmo, mas tornavam-se metáforas do destino nacional. Essa concepção reforçava o peso psicológico da coroa, pois cada sombra de tristeza, cada crise de fúria ou cada silêncio melancólico do soberano podia ser interpretado como prenúncio da queda do reino inteiro.
O Silêncio e o Estigma
Se para os súditos comuns a loucura ou a melancolia já carregavam forte estigma, para um rei o peso era infinitamente maior. A figura régia não podia demonstrar fraqueza sem colocar em risco a legitimidade do trono. Por isso, a doença mental do soberano era, quase sempre, silenciada, disfarçada ou reinterpretada.
As cortes medievais desenvolveram verdadeiras estratégias de ocultação. Quando Carlos VI da França mergulhava em crises psicóticas, isolava-se do público e o governo era exercido por conselheiros, que mantinham a ficção de normalidade. No caso de Henrique VI da Inglaterra, durante seus períodos de silêncio catatônico, a regência foi instituída, mas sempre sob a justificativa de que o rei “recuperaria” suas forças — uma tentativa de preservar a aura sagrada da realeza.
O silêncio era também uma forma de sobrevivência política. Admitir publicamente que um monarca enlouquecera podia ser explorado por rivais internos e inimigos externos. Assim, o que hoje chamaríamos de “colapso mental” era descrito como provação divina, excesso de melancolia ou até fadiga espiritual. O vocabulário suavizava a realidade para proteger não apenas o rei, mas a ordem política que ele representava.
Ao mesmo tempo, a ocultação criava um paradoxo cruel. O rei, já isolado pela natureza do cargo, tornava-se ainda mais solitário em sua dor, cercado por cortesãos que tinham mais interesse em preservar a imagem da coroa do que em compreender seu sofrimento. Não havia espaço para vulnerabilidade. A fraqueza mental não era vista como condição humana, mas como ameaça de ilegitimidade.
A própria memória desses reis foi marcada pelo estigma. Carlos VI ficou para sempre conhecido como o Louco; Henrique VI, como o fraco rei perdido nas intrigas da Guerra das Rosas. Já Duarte de Portugal, embora tenha refletido com rara profundidade sobre a mente, viu suas palavras relegadas a um público restrito, lembrado mais por sua morte precoce do que por sua reflexão filosófica. Em todos os casos, o sofrimento foi reduzido a rótulo ou esquecido sob o peso da política.
O silêncio e o estigma, portanto, não apenas agravaram o sofrimento pessoal dos reis, mas também moldaram a forma como a posteridade os enxerga. O que poderia ser lido como um testemunho de humanidade foi transformado em vergonha, tabu ou narrativa de decadência.
O Legado dos Reis “Loucos” e do Rei “Filósofo”
As crises de saúde mental de reis medievais deixaram marcas profundas não apenas em suas vidas pessoais, mas também no rumo de seus reinos. A forma como foram lembrados pela posteridade revela tanto os preconceitos de sua época quanto os desafios enfrentados por historiadores modernos ao reinterpretar sua trajetória.
Carlos VI da França, apelidado de o Louco, é um exemplo claro. Sua instabilidade abriu caminho para o fortalecimento de facções rivais, como os Borguinhões e os Armagnacs, e fragilizou a França em plena Guerra dos Cem Anos. Durante séculos, sua figura foi lembrada menos como um homem enfermo e mais como um símbolo de decadência real. Apenas nos últimos tempos, com os avanços da história médica, passou-se a reconhecer que seus episódios psicóticos não eram fruto de “fraqueza moral”, mas de uma condição que hoje se enquadraria em categorias psiquiátricas.
Henrique VI da Inglaterra seguiu destino semelhante. Seu caráter devoto e sua passividade, agravados por surtos de retraimento mental, foram interpretados como incapacidade de governar. Sua fragilidade acelerou o caos político da Guerra das Rosas, custando-lhe o trono e a vida. Ainda assim, após sua morte, surgiram tentativas de santificação popular, com relatos de milagres atribuídos à sua intercessão. Isso mostra como a figura do rei mentalmente abalado oscilava entre a condenação como incompetente e a veneração como mártir cristão.
Duarte I de Portugal, por outro lado, oferece um contraste fascinante. Sua breve vida (1391–1438) não foi marcada por crises psicóticas como as de Carlos ou Henrique, mas por uma reflexão intelectual rara para um rei medieval. Em sua obra Leal Conselheiro, Duarte abordou questões de governo, ética e até inquietações da mente, revelando um soberano que compreendia a tensão entre o peso da autoridade e a fragilidade humana. Embora sua morte precoce durante a peste tenha limitado seu reinado, deixou o legado de um rei-filósofo que, de certa forma, antecipa debates modernos sobre a dimensão psicológica do poder.
Assim, o contraste entre esses três monarcas — o “louco” francês, o “rei frágil” inglês e o “rei pensador” português — ilustra não apenas diferentes manifestações da saúde mental no poder, mas também diferentes destinos na memória coletiva. Carlos e Henrique foram reduzidos a exemplos de fraqueza política, enquanto Duarte, embora menos lembrado, sobrevive como uma voz intelectual que humanizou o trono.
O legado desses reis, portanto, não se limita ao impacto imediato em seus reinados. Ele abre caminho para uma reflexão mais ampla: o que significa carregar a coroa quando a mente vacila? E como as sociedades escolhem lembrar — ou apagar — a humanidade de seus governantes?
Conclusão
A história dos reis medievais revela que a saúde mental sempre esteve entrelaçada ao poder, ainda que descrita em termos diferentes dos que usamos hoje. A loucura de Carlos VI, a fragilidade de Henrique VI ou as reflexões filosóficas de Duarte I mostram que o trono nunca foi apenas um símbolo de glória: era também um fardo, capaz de expor de forma brutal as vulnerabilidades humanas.
Na Idade Média, os sintomas de distúrbios mentais eram interpretados à luz da religião, vistos ora como possessão demoníaca, ora como provação divina. Já a filosofia aristotélica e a escolástica tentavam enquadrá-los em noções de equilíbrio dos humores ou de virtude moral. Mas, em todos os casos, o impacto sobre a política era imediato: um rei enfermo podia mudar o destino de guerras, tratados e sucessões dinásticas.
Olhando para trás, percebemos que a figura do rei medieval em crise psicológica servia como espelho para toda a sociedade. Sua dor individual transformava-se em drama coletivo, com implicações militares, diplomáticas e espirituais. Por isso, cronistas e poetas não pouparam esforços para registrar tais episódios, criando memórias que oscilam entre o escárnio e a veneração.
Hoje, ao revisitar esses reinados, temos a oportunidade de enxergar além da caricatura. Podemos reconhecer que esses reis eram homens submetidos a pressões extremas, vivendo em tempos de instabilidade e de expectativas quase sobre-humanas. Sua humanidade, com suas falhas e sofrimentos, torna-se um lembrete de que a saúde mental é parte indissociável da liderança, seja em um castelo medieval ou em um gabinete moderno.
Assim, o peso do trono não pertence apenas ao passado. Ele ecoa nos desafios contemporâneos de governantes, líderes e até professores, executivos ou chefes de família. A lição medieval permanece: poder e fragilidade caminham juntos. Reconhecer essa dualidade é fundamental para compreendermos não só a história, mas também os dilemas humanos universais que continuam a nos acompanhar.
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