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OS OSTROGODOS



Os ostrogodos foram um dos mais notáveis povos germânicos a emergir no cenário pós-romano da Europa. Diferentemente dos visigodos, seus parentes ocidentais, os ostrogodos estabeleceram um império – ou, ao menos, um poderoso reino – no coração da antiga Roma: a Itália. Sob a liderança de Teodorico, o Grande, o Reino Ostrogótico foi uma tentativa singular de conciliar a tradição germânica com a herança imperial romana.


Neste texto, exploraremos as origens dos ostrogodos, sua relação com os hunos, o surgimento do reino na Itália, sua organização interna, os conflitos com o Império Bizantino e o legado cultural e político que deixaram para a Europa medieval.


Origens e domínio ostrogodo sob os hunos


Os ostrogodos formavam, ao lado dos visigodos, um dos dois principais ramos do povo godo, de provável origem escandinava e báltica, que se estabeleceu entre os séculos II e III ao norte do Mar Negro. Enquanto os visigodos migraram mais cedo para o interior do Império Romano, os ostrogodos permaneceram no leste europeu por mais tempo e, durante o século IV, caíram sob o domínio dos hunos.


Com a ascensão de Átila, os ostrogodos foram incorporados ao seu império como vassalos ou povos subjugados. Durante décadas, muitos ostrogodos serviram nos exércitos hunos, adquirindo experiência militar, mas também perdendo sua autonomia. A morte de Átila, em 453, na Batalha do rio Nedao, levou ao colapso da hegemonia huna e abriu caminho para a emancipação ostrogoda.


Com a fragmentação do poder dos hunos, os ostrogodos reorganizaram-se sob líderes próprios, como Teodorico o Amale, educado em Constantinopla como refém político, segundo a prática diplomática romana. Teodorico assimilou a cultura romana e foi reconhecido pelo Império Bizantino como governante federado (foederatus), o que lhe conferia legitimidade para agir em nome de Roma, embora liderasse um povo germânico autônomo.


Essa combinação de elementos germânicos e romanos moldaria o destino do Reino Ostrogodo e a figura singular de seu monarca mais célebre: Teodorico, o Grande.


A conquista da Itália e o reinado de Teodorico


No final do século V, a Península Itálica encontrava-se sob o domínio de Odoacro, um chefe germânico que depusera o último imperador romano do Ocidente, Rômulo Augústulo, em 476. Odoacro reinava como rei da Itália, embora mantivesse relações diplomáticas com o Império Bizantino, que ainda reivindicava autoridade formal sobre o Ocidente.


O imperador bizantino Zenão, buscando se livrar do incômodo Odoacro e ao mesmo tempo controlar os ostrogodos, incentivou Teodorico a marchar sobre a Itália. Em 488, Teodorico liderou seu povo rumo ao oeste e, após três anos de campanha, derrotou Odoacro em 493, após um cerco prolongado a Ravena. A tradição diz que, após um acordo de paz, Teodorico assassinou Odoacro com as próprias mãos durante um banquete.


Com a morte de Odoacro, Teodorico tornou-se o soberano indiscutível da Itália. Embora não adotasse o título de imperador, governava com autoridade plena e estilo romano. Manteve as instituições do Império, como o Senado, a administração civil e a moeda, e buscou uma convivência harmoniosa entre godos e romanos.


Teodorico foi um monarca singular: era ariano em religião (como a maioria dos godos), mas respeitava a Igreja católica e protegia o papa. Promoveu obras públicas, restaurou aquedutos, estradas e edifícios, e fez de Ravena um centro cultural florescente, com mosaicos e igrejas que até hoje testemunham seu legado.


Organização política e convivência romano-goda


O Reino Ostrogodo foi estruturado de modo a preservar a ordem romana e garantir a supremacia goda no exército e no comando político. Teodorico manteve a dualidade étnica e jurídica entre romanos e godos: os primeiros continuavam submetidos ao direito romano, enquanto os segundos seguiam a lei gótica, embora ambos vivessem sob a mesma autoridade régia.


O monarca nomeava funcionários romanos para cargos civis e godos para cargos militares. O Senado continuou funcionando em Roma como órgão consultivo, e a burocracia romana foi preservada. Teodorico cultivou a imagem de um rei romano, usando trajes imperiais e cunhando moedas com sua efígie ao estilo dos césares.


Houve um esforço constante para evitar conflitos étnicos e promover a cooperação. A política de tolerância religiosa foi outro pilar da administração teodoricana. Mesmo sendo ariano, o rei protegeu os católicos e proibiu perseguições, mantendo relações respeitosas com o papado.


Teodorico também investiu na educação e nas letras. Patrocinou figuras como Boécio e Cassiodoro, autores que buscaram preservar o saber clássico. O palácio de Ravena tornou-se símbolo desse equilíbrio entre germanismo e romanidade, e o próprio Teodorico passou à posteridade como um rex gloriosissimus – um rei glorioso que tentou restaurar a grandeza de Roma sem renunciar à identidade gótica.


Conflitos com o Império Bizantino e o declínio do reino


Apesar dos esforços de Teodorico para manter a estabilidade e a harmonia entre godos e romanos, seu reinado não esteve isento de tensões. A execução de Boécio, acusado de traição, marcou o início de uma fase mais autoritária, motivada por suspeitas de conspiração entre senadores romanos e Constantinopla.


Após a morte de Teodorico em 526, o reino passou a ser governado por sua neta, Amalasunta, como regente de seu filho Atalarico. Embora instruída na cultura romana, Amalasunta enfrentou resistência da nobreza goda. Sua morte, em 535, forneceu um pretexto para a intervenção do Império Bizantino.


O imperador Justiniano I, em sua ambição de restaurar a glória imperial, lançou uma campanha militar contra o Reino Ostrogodo. A chamada Guerra Gótica (535–554) foi longa e devastadora. Lideradas pelo general Belisário e depois por Narses, as forças bizantinas conquistaram sucessivamente as principais cidades italianas, enquanto os ostrogodos, sob reis como Vitiges e Totila, ofereciam tenaz resistência.


A guerra culminou com a queda de Roma, sua reconquista e a destruição de várias regiões italianas. Em 552, Totila foi morto na Batalha de Taginae, e dois anos depois, em 554, a vitória bizantina consolidou o domínio do Império sobre a Itália.


Contudo, a devastação causada pela guerra enfraqueceu tanto a península que ela se tornaria vulnerável a novas invasões, como a dos lombardos em 568. O Reino Ostrogodo, após um breve esplendor, foi absorvido pela história.


Legado cultural e histórico dos ostrogodos


Apesar de sua breve existência, o Reino Ostrogodo deixou marcas duradouras na história europeia. A tentativa de Teodorico de unir tradição germânica e administração romana serviu de modelo para outros reinos bárbaros. Sua política de tolerância religiosa e respeito pelas instituições romanas foi, por séculos, lembrada como ideal de equilíbrio.


Culturalmente, Ravena conserva mosaicos e construções magníficas como o Mausoléu de Teodorico e a Basílica de Santo Apolinário. A obra de Cassiodoro, secretário do rei, teve enorme influência na preservação do saber clássico, ao inspirar os scriptoria monásticos da Idade Média.


O Reino Ostrogodo também marca uma etapa essencial na transição entre a Antiguidade e a Idade Média, simbolizando os desafios e as possibilidades da fusão entre culturas. Sua memória persistiria nos anais bizantinos, nas crônicas medievais e na herança artística que sobrevive ao tempo.


Fontes


Heather, Peter. The Goths. Wiley-Blackwell, 1996.


Wolfram, Herwig. History of the Goths. University of California Press, 1988.


Moorhead, John. Theodoric in Italy. Oxford University Press, 1992.


Cassiodorus. Variae. Século VI.


Procopius. Wars of Justinian. Século VI.

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