QUINTA CRUZADA
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QUINTA CRUZADA


Um navio Haarlem corta a corrente do porto de Damietta em 15 de novembro de 1219, por Cornelis Claesz van Wieringen
Um navio Haarlem corta a corrente do porto de Damieta em 15 de novembro de 1219, por Cornelis Claesz van Wieringen

A Quinta Cruzada (1217-1221) foi proclamada pelo Papa Inocêncio III (pont. 1198-1216) voltada, como as Cruzadas anteriores, para retomar Jerusalém do controle muçulmano. Desta vez, a estratégia foi planejada visando enfraquecer o inimigo, atacando primeiro as cidades dominadas pelos muçulmanos no Norte da África e, também, o Egito, que na época era controlado pela dinastia aiubida (1174-1250). A ideia de que o Egito poderia se constituir em um alvo mais fácil do que Jerusalém, provou ser um erro e a campanha não obteve sucesso. O exército cruzado, embora finalmente conquistando Damieta, foi atingido pelas disputas por liderança e pela deficiência em homens, equipamentos e embarcações adequadas para a geografia local. Derrotados às margens do Nilo, os cruzados, uma vez mais, voltaram para casa trazendo pouca coisa pelos seus esforços.


Cruzadas Anteriores


A Quarta Cruzada (1202-1204), foi convocada pelo Papa Inocêncio III, em 1202, para retomar Jerusalém. Ao invés disso, os cruzados saquearam Constantinopla em 1204 e os territórios bizantinos foram distribuídos entre Veneza e seus aliados. A intenção de colocar Jerusalém sob governo cristão ainda permanecia como um importante apelo da Igreja e, portanto, outra cruzada, agora conhecida como Quinta Cruzada, foi proclamada em 1215, novamente pelo Papa Inocêncio III.


Ricardo I da Inglaterra (rein. 1174-1193), durante a Terceira Cruzada (1189-1192), havia dado a ideia de atacar os estados muçulmanos, não via seus castelos e fortalezas das cidades no Levante, porém no ponto fraco do Império Muçulmano Aiubida: o Egito. Desta vez aquela estratégia seria adotada na esperança de que, se o Egito caísse, então Jerusalém, sem a possibilidade de reforços e suprimentos, cairia também.


A dinastia Aiubida foi fundada por Saladin (sult. 1174-1193) e governou o Egito até sua conquista pelos mamelucos em 1250. Na época da Quinta Cruzada, o Sultão do Egito e, portanto, o principal governante muçulmano no Oriente Médio, era Sayef al-Din al-Adil (sult. 1200-1218), irmão de Saladin. Enquanto uma inquietante trégua existisse entre os Estados Latinos do Oriente (como os Estados Cruzados no Oriente Médio eram conhecidos) e os aiubidas, a recente fortificação do Monte Tabor, na Galileia, ameaçava Acre, que se encontrava sob governo cruzado, e o território vizinho. Foi este o motivo que Inocêncio III usou para acender as chamas do fervor religioso entre as lideranças da Europa Ocidental.


Recrutamento


Pela primeira vez, no corre-corre para Quinta Cruzada, a pregação da Cruzada, especialmente seu método de recrutamento de voluntários, foi organizada por áreas geográficas com orientações para os escritórios provinciais e seus delegados a respeito da maneira exata de como persuadir o povo e a quem selecionar. Existiam até manuais com modelos de sermões destinados a melhor despertar o fervor e o entusiasmo para a causa. Nobres e cavaleiros, com preparo e meios para viajar e combater, deveriam ser mais intensamente convencidos e deveriam ser evitados movimentos populares não oficiais, como a chamada Cruzada das Crianças de 1212, que envolveu camponeses e crianças.


O Papa Inocêncio III teoricamente, deixando de fora os monges, ampliou a chamada para todos os homens, encorajando aqueles sem qualificação militar a se juntarem à Cruzada ou mesmo propondo, com veemência, para “se liberarem de seus votos” e contribuírem com fundos, ao invés de viajarem em pessoa. Os que pagavam, mas não viajavam, ainda assim receberiam os benefícios da remissão de seus pecados, prometeu o Papa. Além disso, naquele momento dentro da política papal típica, impôs-se uma taxa (um vinte avos, 1/20, da renda por um período de três anos) sobre o clero para auxiliar no pagamento da Cruzada. A perspectiva de aventura, ganho financeiro pelos espólios da guerra e ascensão no status social pela aquisição de honrarias e títulos, tudo constituía motivações adicionais, ao lado da convicção religiosa.


A campanha de recrutamento revestiu-se de grande sucesso, especialmente na Alemanha, Inglaterra, Itália, Hungria e Países Baixos. O Papa Inocêncio III morreu em 16 de julho de 1216, antes que tivesse a oportunidade de ver sua Cruzada colocar-se em movimento, mas seu sucessor, o Papa Honório III (pont. 1216-1227), não tinha a intenção de cancelar a campanha. O líder original da Cruzada, e algo como um golpe devido à ausência de Reis na Quarta Cruzada, era Frederico II, o Rei da Alemanha e futuro Sacro Imperador Romano (rein. 1220-1250). Infelizmente, Frederico estava incapacitado de ir devido a problemas de política interna em seu Império. Outro complicador era sua contínua disputa com o Papado a respeito de seu desejo em controlar tanto a Alemanha e a Sicília, algo que o Papa, temendo um cerco, desejava evitar.


Egito e Damieta


Em maio de 1218, o exército cruzado acampou precisamente a oeste da cidade de Damieta, no Egito. O plano era tomar a cidade, na época com uma população de aproximadamente 60.000 habitantes, e em seguida marchar ao longo do Nilo na direção do Cairo, distante algo como 160 km (100 milhas). O exército, talvez em número de 30.000 homens no seu pico, compunha-se de cavaleiros cruzados da Europa, ao lado dos barões do Oriente Latino e cavaleiros das três principais ordens militares: Cavaleiros Hospitalários, Cavaleiros Templários e Cavaleiros Teutônicos. O exército em campo era comandado por Jean de Brienne, Rei do Reino de Jerusalém (rein. 1210-1225), porém um dos problemas da Quinta Cruzada viria a ser a falta de uma clara liderança e uma estratégia decisiva.


O homem encarregado de liderar o exército muçulmano e defender o Egito era al-Kamil, filho do Sultão e seu sucessor a partir de agosto de 1218 (até 1238). Damieta, intenção primeira da Cruzada, possuía três formidáveis muralhas circulares como fortificação. Havia um fosso entre a primeira e a segunda muralhas e 28 torres construídas na última muralha. Seria uma dura noz a ser quebrada, porém a cidade, como observou um cruzado, “era a chave para o Egito” (Asbridge, 552).


O exército cruzado acampou no Oeste, na distante margem do rio, fora da cidade. O primeiro obstáculo antes dos invasores se dirigirem para a cidade era atravessar uma pesada corrente colocada entre as muralhas da cidade e uma pequena, porém fortificada, ilha no Delta do Nilo. Esta corrente bloqueava o acesso ao porto da cidade. Os cruzados consumiram vários meses tentando atacar a torre da corrente, com 21 metros de altura. A torre era guarnecida por uma força de 300 homens, os quais podiam ser abastecidos e reforçados graças a uma ponte construída com barcos unindo a torre à Damieta. Somente após a construção de uma torre de sítio em dois barcos unidos, foi que os cruzados conseguiram, em 24 de agosto, tomá-la e baixar a corrente.


Conquistar a torre da corrente, entretanto, não é o mesmo que conquistar Damieta, e a cidade ainda se erguia, formidável, em meio às águas. Havia também a ameaça latente de al-Kamil, que se mantinha estacionado com um grande exército no lado leste do Nilo. Um dado crítico era que o inverno se aproximava e, para acrescentar às dificuldades dos cruzados, o campo por eles ocupado foi inundado por uma tempestade em 29 de novembro de 1218. Os tradicionais problemas com suprimentos, para um exército sitiante, começaram a aparecer e o escorbuto se disseminava. Como se pode imaginar, os habitantes de Damieta não se encontravam em melhores condições.


Durante todo o inverno, primavera e verão de 1219, os dois lados se encontravam em um impasse. Os cruzados estavam suficientemente entrincheirados para que qualquer ataque contra o campo deles fosse altamente perigoso. Do mesmo modo, não possuíam uma força em homens suficiente para um assalto em grande escala contra a cidade ou à força de al-Kamil. De fato, alguns contingentes de cruzados haviam retornado para casa e os que permaneceram tinham a esperança de que o equilíbrio poderia pender a favor deles no momento em que Frederico II finalmente chegasse, como há tempos prometido, com um grande exército.


Quando as notícias chegaram de que Frederico não poderia se apresentar a não ser no ano seguinte. Os cruzados reagiram, encorajados pela chegada de ninguém menos que Francisco de Assis, que tentou, sem sucesso, convencer os muçulmanos de que Deus, definitivamente, não se encontrava do lado deles. No outono de 1219, ficou evidente que os níveis do Nilo, naquele ano, estavam muito abaixo do comum e que a safra seria menor, com real possibilidade de fome em ambos os lados.


Uma Oferta de Paz


Em setembro, al-Kamil, talvez compreendendo que a guarnição de Damieta dispusesse de pouco tempo e temendo a chegada de um grande exército cruzado, ofereceu uma trégua com termos extraordinários. Ele manteria Damieta e, em troca, daria aos latinos o controle de Jerusalém. Apesar de seu significado religioso para ambos os lados, a Cidade Santa possuía valor econômico limitado e mesmo estrategicamente não possuía grande importância, pois se encontrava há muito tempo negligenciada pelos aiubidas. Partes da Palestina foram também entregues, demonstrando que al-Kamil se encontrava mais interessado em seu vasto império, especialmente as terras mais ricas do Egito e Síria.


Considerando que o objetivo da Cruzada era, após capturar o Egito, tomar Jerusalém, esta oferta da Cidade Santa foi, surpreendentemente, rejeitada por alguns líderes cruzados. Jean de Brienne e os Cavaleiros Teutônicos queriam aceitar a trégua, mas os Cavaleiros Templários, os Cavaleiros Hospitalários, os venezianos e o mais importante líder religioso, o Cardeal Pelagius, não queriam o acordo. Este último grupo defendia que sem as fortalezas vitais de Kerak e Montreal, que al-Kamil queria manter, seria difícil para os cruzados manterem seus ganhos se a guerra contra os aiubidas prosseguisse. Acima de tudo, a chegada de Frederico, melhor tarde que nunca, quase certamente significaria vitória para os ocidentais e, então, poderia tomar o que desejavam, incluindo o Egito. Portanto, o sítio prosseguiria.


Com esta oferta de paz rejeitada, al-Kamil partiu para a ofensiva e atacou o campo cruzado, porém seu exército foi rechaçado. Em novembro de 1219, os cruzados atacaram Damieta e, após irromperem através de uma torre arruinada, as fracas defesas da cidade foram rompidas. Os cruzados ficaram chocados ao verem o estado em que se encontrava o inimigo, com as ruas repletas de corpos e aqueles ainda vivos sofrendo de extrema desnutrição e doença.


Marcha Para o Cairo e Derrota


Damieta seria o único sucesso da campanha para os cruzados. Tirando vantagem da indecisão dos cruzados a respeito do que fazer em seguida, al-Kamil, como precaução, moveu seu exército 40 km (25 milhas) na direção sul, ainda abraçando o Nilo. Enquanto isto, os cruzados discutiam a quem deveriam entregar o controle de seu novo prêmio. Os representantes do Papa queriam mantê-lo para Frederico, enquanto Jean de Brienne o queria para si mesmo e para melhor reforçar sua pretensão, ele mesmo começou a cunhar moedas. Finalmente, chegou-se a um acordo ficando a custódia com Jean até a chegada de Frederico. Ainda mais crucial para a Cruzada, foi o debate a respeito da próxima etapa da campanha: marchar e tomar o Cairo ou usar Damieta como um elemento de negociação para conseguir território na Palestina, incluindo Jerusalém. Inacreditavelmente, gastou-se um ano e meio, bem como, a chegada de uma força da Alemanha sob o comando de Ludwig da Bavária, para os cruzados decidirem a respeito da primeira ação proposta. Mesmo assim, só na primavera de 1221 puseram-se em movimento, tal como lesmas, por terra e rios na direção do Cairo.


Enquanto isso, al-Kamil foi capaz de tirar vantagem da indecisão do inimigo para fortificar seu acampamento em Mansourah e apelar pelo apoio de seus aliados na Síria e Mesopotâmia. Em julho de 122, os cruzados atacaram o inimigo em Mansourah. No entanto, al-Kamil escolheu seu local sabiamente, facilmente defendido graças à sua posição na junção de um tributário do próprio Rio Nilo. Também, dentro de um mês, ocorreria a elevação anual do Nilo. Embora os cruzados não demonstrassem nenhuma pressa, o tempo estava do lado dos muçulmanos, não dos cruzados.


O astucioso al-Kamil, esperando ansiosamente um exército de apoio e a chegada das inundações, escolheu seu momento para oferecer um novo acordo de trégua com o inimigo, talvez em uma tentativa para atrasá-los mais. Os cruzados rejeitaram os termos, contudo, e após derrotarem um pequeno grupo de ataque, precipitadamente se lançaram para atacar o campo fortificado de al-Kamil em agosto. O líder muçulmano permitiu que eles se movessem à frente sem nenhum obstáculo e, então, afundou quatro navios por trás do exército cruzado para impedir qualquer retirada rápida. Enquanto isso, os exércitos muçulmanos chegavam do Norte e, tomando posição a nordeste, bloquearam qualquer retirada dos cruzados por terra. Foi neste o momento que as águas do Nilo começaram a subir. Os navios cruzados começaram a se atrapalhar nas águas traiçoeiras e teve início uma retirada caótica. Quando al-Kamil abriu as comportas nos campos circundantes, toda a área ficou inundada na altura da cintura. Em 28 de agosto de 1221, o exército cruzado se rendeu foi feito um acordo para uma trégua. Al-Kamil recebeu Damieta e todos os prisioneiros de volta. O exército cruzado retornou para casa sem ser molestado. Apesar de todo dinheiro, esforço, planejamento e fervor, foi outro espetacular fracasso de uma cruzada.


Consequências


Nos anos seguintes à Quinta Cruzada, houve muito debate e acusações a quem exatamente dever-se-ia culpar pelo desastre. No entanto, a decisão do ocidente em atacar diretamente o Egito e não Jerusalém, perturbou os aiubidas no sentido do que poderia acontecer se um grande exército cruzado realizasse uma segunda e mais decisiva tentativa. Esta ameaça pode bem ter facilitado as negociações para a Sexta Cruzada (1228-1229), liderada pelo Sacro Imperador Romano Frederico II, o qual, finalmente envolveu-se pessoalmente no movimento cruzado. Chegando ao Oriente Médio em setembro de 1228, conseguiria, dentro de um ano, um tanto ironicamente, o controle de Jerusalém através da diplomacia, ao invés da guerra.

 

Fonte - Asbridge, T. The Crusades. Simon & Schuster Ltd, 2012.


Christopher Tyerman. God's War. Belknap Press, 2009.


Maalouf, A. The Crusades Through Arab Eyes. Schocken, 1989.


Riley-Smith, J. The Oxford Illustrated History of the Crusades. Oxford University Press, 2001.


Runciman, S. A History of the Crusades Vol. 3. the Kingdom of Acre and the Later Crusades. Penguin Books, 2000.


Conteúdo trazido do portal World History Encyclopedia de nome Fifth Crusade

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