top of page

COMO ERA O CASAMENTO NA IDADE MÉDIA?

ree

O casamento na Idade Média não era apenas uma união entre duas pessoas; era, acima de tudo, um pacto social, econômico e espiritual que influenciava toda a estrutura da vida medieval. Para a Igreja, tratava-se de um sacramento indissolúvel, instituído por Deus e regulamentado pelo direito canônico. Para a nobreza, era um instrumento político, capaz de selar alianças, garantir territórios e consolidar poder. Para as classes camponesas e urbanas, representava também uma necessidade prática: formar um lar, dividir o trabalho e assegurar a sobrevivência.


O contexto medieval, marcado por uma forte presença da fé cristã e pela organização feudal, moldou profundamente os costumes e ritos matrimoniais, tornando o casamento uma instituição central para a ordem social.


Raízes históricas e culturais


As práticas matrimoniais medievais foram herdadas de diferentes tradições. Do Império Romano veio a formalização legal, a noção de consentimento e algumas cerimônias civis. Dos povos germânicos herdou-se a valorização dos arranjos familiares e o pagamento de um “preço da noiva” (morgengabe) como garantia e segurança da esposa.


A partir do século IX, com o fortalecimento da Igreja no Ocidente, o matrimônio passou a ser progressivamente controlado pelo clero. O Concílio de Latrão IV (1215) foi um marco, exigindo a proclamação prévia dos casamentos e a realização diante de testemunhas, reforçando o caráter público e religioso do ato.


O casamento como sacramento


No início da Idade Média, ainda havia casamentos sem intervenção direta da Igreja, especialmente entre camponeses. Mas a partir do século XII, teólogos como Pedro Lombardo consolidaram a visão de que o matrimônio era um dos sete sacramentos. Isso implicava regras claras: a união só poderia ocorrer com consentimento livre, deveria ser monogâmica e indissolúvel, salvo nulidade comprovada.


Essa sacralização buscava também conter práticas como uniões clandestinas, poligamia residual ou casamentos dentro de graus proibidos de parentesco — que chegavam a incluir primos distantes até o quarto grau, segundo o direito canônico.


Idade mínima e consentimento


O direito canônico estabelecia idades mínimas: 12 anos para meninas e 14 para meninos. Embora para padrões modernos isso seja considerado precoce, na mentalidade medieval tal prática fazia sentido, especialmente na nobreza, onde a sucessão de herdeiros era prioridade. Ainda assim, a consumação do casamento podia ser adiada até que os cônjuges atingissem maturidade física.


O consentimento, ao menos na teoria, era requisito fundamental. Mas na prática, famílias — especialmente entre nobres — exerciam forte influência ou mesmo impunham as uniões.


Casamento entre nobres


Para a aristocracia, o casamento era uma ferramenta estratégica. Tratados de paz e alianças militares eram selados por meio de uniões matrimoniais. O dote da noiva podia incluir terras, títulos e riquezas, enquanto o noivo oferecia garantias políticas e militares.

Casos célebres incluem o casamento de Leonor da Aquitânia com Luís VII da França (1137) e, mais tarde, com Henrique II da Inglaterra (1152), que redesenhou o mapa político europeu.


Casamento na burguesia e entre camponeses


Na burguesia urbana, que cresceu a partir do século XII, o casamento também visava fortalecer redes comerciais e parcerias econômicas. Entre camponeses, as uniões tinham caráter mais comunitário, frequentemente decididas dentro da própria aldeia, considerando afinidades, terras e capacidade de trabalho.


Embora a cerimônia religiosa fosse importante, muitas vezes a festa popular era o momento mais aguardado, marcada por banquetes, música e danças.


Rituais e símbolos


O casamento medieval possuía forte carga simbólica. O véu e a coroa da noiva representavam pureza e honra, enquanto a troca de anéis (nem sempre de metal precioso) simbolizava a aliança eterna. O padre realizava a bênção nupcial, seguida por procissões e banquetes.


Em algumas regiões, havia ritos curiosos: na França, os noivos passavam por um “leito público” para simbolizar a consumação; na Inglaterra, era comum o cortejo levar a noiva à casa do marido em meio a cantos e músicas.


Dote, morgengabe e economia matrimonial


O dote era essencial: fornecido pela família da noiva, representava segurança e status. O morgengabe (“presente da manhã”), por sua vez, era dado pelo noivo à esposa após a primeira noite de núpcias, garantindo sua subsistência em caso de viuvez.

Esses arranjos econômicos protegiam o patrimônio e reforçavam laços entre famílias.


Amor cortês e realidade


A literatura medieval criou o ideal do “amor cortês” — paixão refinada, devoção e serviço à dama —, mas raramente isso se refletia nos casamentos arranjados. Para muitos, o amor era uma consequência possível, não a base do matrimônio.

Ainda assim, poemas, canções e romances cavaleirescos moldaram o imaginário da época.


Herança, legitimidade e anulação


O casamento definia a legitimidade dos filhos e, portanto, a sucessão de bens e títulos. Disputas por herança eram frequentes e, em alguns casos, uniões eram anuladas por consanguinidade, impotência ou falta de consentimento válido. A anulação era rara, mas podia ter grande impacto político.


Casamentos célebres e escândalos


Além de Leonor da Aquitânia, a Idade Média conheceu uniões polêmicas, como o casamento de Joana de Navarra com Henrique IV da Inglaterra, acusado de bruxaria por inimigos políticos. Também houve casos de noivas fugindo ou sendo raptadas — prática mais comum do que se imagina.


O casamento medieval refletia a ordem social e espiritual do período: uma fusão de interesses políticos, econômicos e religiosos. Mais que uma união afetiva, era um pilar de estabilidade, um ato público que ligava famílias, consolidava poderes e preservava tradições.


Fontes


Duby, Georges. O Cavaleiro, a Mulher e o Padre.


Herlihy, David. Medieval Households.


Hanawalt, Barbara. The Ties That Bound: Peasant Families in Medieval England.


Le Goff, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval.

Comentários


Apoio

Movavi - Editor de video - Parceiro História Medieval
WHE - Enciclopédia Mundial - Parceiro História Medieval

© História Medieval 2025

Curitiba / Pr

bottom of page